A dama bela e farta, o furto da manteiga e a consciência ecológica de Josenias
25/11/2011

A dama bela e farta, o furto da manteiga e a consciência ecológica de Josenias

Josenias ficou incrédulo quando viu o que parecia sonho. “Eita! Será possível?”, pensou o experiente gerente diante da cena surreal. Isso acontece quando não estamos preparados pra ver o que vemos. Parece que vimos erroneamente. Na dúvida, Josenias, que ia almoçar, freou os passos que o levavam pr’o refeitório e voltou pr’a área de venda da loja, pra saber que diacho tinha acontecido: se tinha “visto coisas” ou se “coisas” realmente existiam.



Com atenção redobrada, ele passou a monitorar os movimentos da mulher, já quase uma senhora, mas com tudo em cima, busto volumoso, turbinado com silicone, rosto de pele sedosa, vestido claro levemente decotado e maquiagem discreta. Parecia que tinha acabado de sair do salão de beleza, pego seu Audi — Josenias a vira estacionar o carro — e ido pr’o hipermercado fazer compras... Ou quase isso.
Se só acredita quem vê, e ele viu, não podia mais duvidar. A digníssima e finésima senhora, sem perceber o vigilante Josenias a uns 20 metros de distância e parcialmente coberto por uma ponta de gôndola, ajustava um tablete de manteiga, da marca Desfrute, entre os seios. A Josenias não restava dúvidas de que a cirurgia estética da moça tinha bem mais funções do que atribuir maior valor sensual ao maternal atributo.
Ele continuou à distância, evitando ser visto, até que ela se dirigiu à seção de bolsas, malas e mochilas. Pegou uma mala de viagem grande e colocou outra menor dentro. Nessa hora, a dondoca deve ter pensado: “Podia ter tido essa ideia antes de pegar a manteiga. Mas tirar a manteiga agora pode ser arriscado... Mas talvez não seja”. Era meio-dia e meia e na loja havia só meia dúzia de gatos pingados fazendo compras.
Josenias achou que, depois de pegar a mala e a bolsa, ela fosse se encaminhar para a saída da loja, mas como tudo estava muito tranquilo e ninguém a notava ali, ao menos ela acreditava nisso, resolveu que valia a pena pegar mais um produto antes d’a manteiga derreter.
Partiu pr’a seção de higiene e beleza. Josenias resolveu entrar em ação. Aproximou-se da mulher, que furtava um creme antirrugas. Estava agachada, guardando o creme na mala e pronta pra tirar a manteiga do peito e pô-lo também na mala, quando Josenias a surpreendeu.
Parado bem perto dela, às suas costas, disse:
— Posso ajudá-la?
A mulher colocou a mão no peito, empurrando a manteiga de volta, num susto incontido. Logo em seguida, fez o que os culpados costumam fazer nessas circunstâncias:
— Que susto que o senhor me deu — disse, rindo riso amarelo e lendo o crachá de Josenias.
— Eu não sou bonito como a senhora, mas não precisa se assustar assim.
Embora ainda bastante tensa, ela riu do gracejo de Josenias.
— A senhora gostou da nossa mala?
O semblante da mulher paralisou.
— Essa aí, que a senhora pegou há pouco na seção de malas, colocou aquela bolsa creme dentro e agora acaba de pôr o creme antirrugas...
A mulher já de pé se preparava pr’a autodefesa, caso a acusação viesse explicitamente. Mas Josenias é sagaz.
— Adorei sua ideia. Ecológica. ‘Cê ‘tá certa: vai comprar mala, aproveita e coloca o restante das compras dentro. Chega no caixa, tira tudo, registra direitinho, põe de novo na mala e vai embora sem levar sacola plástica.
Ó, que maravilha! Sem contar que faz sobrar carrinho pra quem não vai comprar mala. Não é verdade?
O furto fora morto no ventre da mala e ela não tinha mais como ressuscitá-lo. Não sobrava recurso à mulher senão concordar, o que fez com gesto de cabeça e sorriso amarelo.
— A senhora vai ver como essa mala é boa. Vamos passar na seção de bazar e eletroeletrônico pr’a senhora ver quanta coisa ainda cabe dentro.
— O senhor me desculpa, mas só vim comprar isso, mesmo. Eu agradeço a cortesia.
— Eu faço questão. Se a senhora comprar o CD d’um artista de sua preferência, leva outro produto. Sei lá, a senhora escolhe, pode ser um tablete de manteiga...
Na mesma hora em que disse isso, ela olhou pra baixo, no próprio corpo, e viu o vestido, entre os seios, manchado.
— Não, senhor. Muito obrigado mesmo. Eu ‘tô indo embora.
Josenias gargalhava por dentro, por fora ria protocolarmente como riem os gerentes simpáticos ao atenderem os clientes.
— Precisando, estamos às ordens — disse à senhora.
Ela sabia que Josenias a tinha flagrado numa tentativa de furto, mas não podia se defender, não podia atacá-lo, ofendê-lo, porque ele não havia atacado nem ofendido o orgulho dela. O sujeito errado quando tem o orgulho ferido se acha na razão. Naquele caso, Josenias preservara o orgulho dela. Só restava à bela dama um “muito obrigado” encabulado e ir pr’o check-out.
Cilene, a operadora de caixa, estranhou o modo como a senhora passou as compras, tirando os produtos de dentro da mala, registrando-os, pagando-os — também a mala — e depois os devolvendo à mala pra ir embora. Estranhou a pressa e a mancha no vestido, mas pensou que era suor e teve dó da madame, que, antes de ir pr’o estacionamento pegar seu Audi, olhou pra Josenias rindo riso contrafeito.
Cilene também estranhou isso. Mais tarde...
— Josenias, que ‘cê fez pra essa mulher? — Foi lá Cilene, matar sua curiosidade.
Josenias contou toda a história, pra uma Cilene incrédula.
— Era manteiga aquela mancha, então!
— Pois é, ‘cê vê? Ela se derreteu de vergonha.
Josenias ria.


Gestão Informativo-Orus
Por Wagner Hilário
Super Hiper