ALTA DE PREÇOS MUDA CESTA DA CLASSE MÉDIA
28/02/2011

ALTA DE PREÇOS MUDA CESTA DA CLASSE MÉDIA

Comportamento: Inflação, se continuar subindo, pode brecar ascensão das classes de renda mais baixa
Alessandra Morales é operadora de teleatendimento em São Paulo. Comanda uma família de cinco pessoas: ela, o marido e três filhos. "Não está fácil fazer compras do começo do ano para cá: tudo subiu", reclama. Para continuar consumindo o que gosta, Alessandra passou a trocar as marcas mais caras pelas populares. "No caso do arroz e do feijão, mantenho sempre as mesmas marcas, mesmo que subam. Mas o resto eu troco tudo, até papel higiênico", disse ela na sexta-feira, enquanto fazia compras em um hipermercado da Zona Norte de São Paulo.
Esse movimento de alteração na cesta de compras do brasileiro tem ganhado fôlego nos últimos meses. Uma série de reajuste nos preços - desde alimentos até passagem de ônibus - vem pressionado o bolso do consumidor e mudando o perfil da cesta de compras da nova classe média brasileira, formada por cerca de 100 milhões de pessoas. O que preocupa é que, caso a inflação continue subindo, existe a possibilidade de uma marcha à ré na ascensão das classes sociais de menor poder aquisitivo.
"A gente segura um pouco as margens, mas de maneira geral tudo subiu", ilustra Sandoval Fernandes, gerente de perecíveis do Hipermercado Andorinha, em São Paulo. "A carne bovina, por exemplo, já acumula cerca de 70% de alta nos últimos oito meses. Em dezembro, quando as vendas aumentam, o faturamento do açougue ficou estável. Mas a procura por peixes subiu 15%", afirma.
Especialistas avaliam de que forma esse cenário de preços em alta tem afetado o comportamento dos brasileiros, em especial os da classe C, que nos últimos dois anos ganharam mais renda e adquiriam novos hábitos de consumo. "O que a gente pode dizer agora é que existem consumidores dessa nova classe média que não estão conseguindo comprar do mesmo jeito", afirma Renato Meirelles, sócio-diretor do Data Popular, uma das mais tradicionais consultorias da área. "Eles passam a levar para casa certos itens, como carne, legumes e frutas [estas subiram de preço com as chuvas] de forma mais espaçada e fazem suas trocas".
Benício José Silva, militar aposentado, é um bom exemplo desse comportamento. "Suspendi o churrasco. Com esse preço, não dá para comprar carne. Estamos levando só carne moída agora", disse ele, enquanto que fazia compras na sexta-feira, em São Paulo.
A administradora de empresas Tatiana Siqueira, com uma filha recém-nascida, vai ao supermercado semanalmente. "As coisas subiram muito, principalmente a carne bovina. Não tenho comprado mais. Substitui por peixe, lombo de porco e frango". No supermercado em que ela fazia compras na semana passada, o quilo do contra filé custava R$ 14,80, em oferta. O quilo do cação era vendido a R$ 8,90.
No início de janeiro, o Banco Central estimava inflação de 5,32% e de lá para cá, a previsão subiu para 5,79%. As altas têm sido consecutivas desde dezembro. Em vista desses números, os especialistas começam a avaliar se a troca pontual - por produtos mais baratos e marcas populares - pode se transformar numa atitude recorrente. "A escalada no preço das commodities é o problema maior. Isso pode afetar a cesta do brasileiro em 2011. O Brasil está bem, mas o mundo, não", diz Andre Torreta, da consultoria A Ponte.
A ideia é ficar atento a eventuais sinais que possam indicar se esse repique inflacionário afetará o processo de migração de consumidores das classes de menor renda para as de maior renda. "É algo que entendemos que é preciso monitorar", diz Fatima Merlin, diretora de varejo da Kantar Worldpanel.
"Como nossos estudos são feitos de forma regular e dentro da casa do consumidor, estamos de olho em qualquer movimento. Mas por ora, ainda não percebemos mudanças", diz. Segundo a Kantar, em 2010, o volume de unidades compradas de itens considerados não básicos, como pratos prontos e sucos à base de soja, cresceu 13% na classe C e 19% na D e E.
Segundo Meirelles, seriam indiretos os efeitos das pressões inflacionárias no processo de migração das classes sociais. "Definição de classe depende de renda e posse de bens, então a redução de gastos afeta a posição social indiretamente". O que pode acontecer é que, para não perder o poder de compra obtido nos últimos anos, esse consumidor tenderá a buscar novas fontes de renda, e recorrer ao "bico", disse o executivo. "Ele já se acostumou a um padrão melhor e como há emprego na praça, pode buscar soluções temporárias".
Entre 2002 e 2010, a classe C ampliou em mais de quatro vezes os gastos com alimentação e bebidas e em oito vezes o desembolso com itens de cuidados pessoais, segundo estudo do Data Popular.
Maior empresário do varejo no país, Abílio Diniz, presidente do conselho de administração do Grupo Pão de Açúcar, disse na semana passada que não teme "uma diminuição enorme do consumo interno", e completou: "Tenho certeza que o país vai continuar crescendo e distribuindo renda".
Existe um fator que pode pesar favoravelmente à manutenção no nível de consumo da classe média, diz Fatima, da Kantar: a forte concorrência entre as redes varejistas A rede de supermercados Walmart, por exemplo, tornou mais agressiva a sua política comercial, cuja campanha de marketing bate na tecla do "preço baixo todo dia". As concorrentes reagiram. "A rivalidade se acentuou entre os varejistas e isso ajuda a puxar o preço para baixo", diz ela, relembrando o efeito Walmart na economia americana, que em momentos de forte aquecimento ajudou a controlar repiques inflacionários.
Por precaução, diante da instabilidade nos preços, a empregada doméstica paulistana Salete Andrade, toma uma medida drástica quando faz compras: "Diminuo a quantidade de tudo que subiu."

Veículo: Valor Econômico