Efeito caramujo
30/12/2011

Efeito caramujo


Gigantes voltam-se para dentro de suas organizações a fim de enfrentar a própria complexidade e impulsionar o crescimento futuro
Qualquer empresa em sua história se vê, ao menos uma vez, naquela fase em que é preciso olhar mais para dentro de casa do que para o mercado. Isso não acontece apenas quando se enfrenta dificuldades, mas também diante de situações como crescimento acelerado ou a necessidade de consolidar projetos. E é exatamente isso o que parece estar acontecendo com as três gigantes do setor. Carrefour, Pão de Açúcar e Walmart se dedicam hoje a estratégias e processos internos, cada um a seu modo e por motivos diferentes. E isso já começa a favorecer a concorrência que está atenta às oportunidades. É o caso da rede Savegnago, com sede em Sertãozinho, no interior do Estado de São Paulo. Em outubro, adquiriu cinco unidades que o Carrefour desativou, avançando em seus planos de expansão, cujos investimentos atingiram R$ 40 milhões, gastos com a compra das filiais da rede francesa e a abertura de duas novas lojas nas cidades de Matão e São Carlos. Savegnago prevê faturar R$ 1,5 bilhão em 2012. Em Fortaleza, redes locais, como Center Box e MWN Comercial, garantem que não se abalam com a presença de gigantes ao lado de suas lojas. E o grupo chileno Cencosud acabou de comprar a carioca Prezunic, ampliando sua atuação no País, agora com mais de 160 lojas. A presença da empresa, forte no Nordeste, se estendeu a Minas Gerais no ano passado e, agora, chega ao Rio de Janeiro. Evidentemente, os gigantes têm poder, eficiência, domínio do cliente e solidez no mercado. O que seus problemas internos expõem é a necessidade de fazer ajustes, definir situação societária e fortalecer estratégias. Entenda o momento dos gigantes e saiba o que estão planejando e fazendo para alavancar o crescimento.
Carrefour: em busca do lucro
A subsidiária brasileira quer ser a segunda mais rentável do Carrefour no mundo. Para isso, precisa concluir o plano de reestruturação, acelerar a expansão do atacarejo e revitalizar os hiper
"Somos a segunda operação em vendas do Carrefour no mundo e a nossa ambição é ser a segunda também em rentabilidade." Quem afirma é Armando Almeida, diretor corporativo da rede no Brasil. Segundo ele, a empresa não está à venda, como se cogita. Continua forte e cheia de planos. Está inclusive atenta a oportunidades de aquisições. Já a possibilidade de fusão, diz o executivo, é uma decisão internacional, dos acionistas na Europa. Mas uma coisa é certa: a varejista está trabalhando no processo de reestruturação.
Lançado há cerca de um ano, o chamado plano de transformação é liderado pelo atual presidente, Luiz Fazzio, à frente da companhia desde julho de 2010. "O plano não foi criado apenas para corrigir o passado, mas tem uma visão de futuro", comenta Almeida. Para fazer frente a prejuízos e decisões mal tomadas, a empresa já substituiu, por exemplo, cerca de 70% dos executivos da rede.
Silvio Laban, professor do Insper, acredita que a rede francesa está arrumando a casa e pode, certamente, resolver seus problemas internos. "O novo presidente tem tomado as medidas necessárias para resgatar o prestígio da empresa e reverter o atual quadro. Ele conhece o mercado nacional e tem foco preciso em operação", afirma o especialista.
O processo de reestruturação da rede incluiu ainda o fechamento de oito unidades deficitárias ou que não se enquadravam na estratégia da companhia. Dessas, cinco eram na região de Ribeirão Preto e pertenciam à extinta rede Gimenes. "Fechar pontos faz parte da dinâmica do varejo. O que aconteceu nesse caso foi uma determinação do presidente de acelerar o processo de transformação, o que exigiu decisões mais emergenciais", explica o diretor corporativo do Carrefour. Em contrapartida, diz ele, foram investidos R$ 200 milhões na revitalização de 30 hipermercados e na conversão de seis filiais para a bandeira Atacadão. "Fizemos tudo isso fundamentados em estudos de mercado para identificar corretamente o posicionamento de cada loja", acrescenta.
Para recuperar o modelo hipermercado que, segundo Almeida, continua importante para os negócios, a rede está adaptando o formato europeu Planet. A primeira unidade nesses moldes fica na cidade de Santo André, na Grande São Paulo. Nessa unidade, o conceito de universos – o de eletros, bomboniere, congelados, perfumaria, bebê – é rapidamente identificado. Cada uma dessas áreas agrupa soluções de consumo. Elas são identificadas por uma espécie de toldo circular que fica no alto, permitindo que o cliente localize cada "mundo" de qualquer ponto da loja. Cores diferentes também delimitam os espaços. Laranja, por exemplo, identifica o setor casa e preto, o de eletros. Na entrada da loja, área destinada a oportunidades, recebeu a cor vermelha. Nela, ficam produtos em oferta de diversos setores, além dos sazonais. No lado oposto, próximo de onde começam os caixas rápidos, existe um paredão também destinado a produtos em promoção. "Estamos ainda fazendo uma revisão total na estrutura de sortimento", afirma Almeida. A ideia é estabelecer, a partir do perfil do público e da estratégia de cada bandeira, a curva ABC do mix. "Tudo o que estamos fazendo é para atender ainda melhor o público", acrescenta. O executivo do Carrefour se refere sobretudo ao cliente da classe D, que avança no mercado, e à nova classe média, ainda em ritmo de crescimento.
O Atacadão também é uma das apostas da rede, razão pela qual tem investido na expansão da bandeira. Neste ano, foram inauguradas 13 unidades do atacarejo. Até 2014, os planos são abrir 20 lojas por ano. O Atacadão também é a plataforma para a empresa elevar a lucratividade. Durante visita ao Brasil em agosto, Lars Olofsson, CEO global da empresa, informou que a marca é responsável por 75% do lucro da rede no País e por 50% das vendas.
Para Ricardo Pastore, coordenador do Núcleo de Varejo da Escola Superior de Propaganda e Marketing, a aposta é boa, pois o formato está no início da curva de ascensão. Tão cedo o atacarejo não vai deixar de ser um bom investimento, ao contrário dos hiper, cuja reinvenção é vital para os resultados no Brasil. Esse pode ser um dos maiores desafios do Carrefour. Difícil? Pode ser, mas, segundo os especialistas, é questão de tempo.
O que a rede deve fazer em 2012
Concluir o plano de reestruturação do País, que, até agora, incluiu fechamento de lojas e mudanças de executivos Revitalizar os hipermercados com adaptações feitas do fomato Planet, lançado na Europa
Continuar investindo na expansão do atacarejo, formato de maior rentabilidade
GPA: à espera do Casino
Em junho do ano que vem, a rede francesa assumirá o controle do Pão de Açúcar, deixando dúvidas sobre o futuro da gestão
É difícil falar em 2012 para o Grupo Pão de Açúcar (GPA) sem pensar em Casino. Neste ano, a tentativa frustrada de uma fusão com o Carrefour pelo empresário Abilio Diniz, presidente do conselho de administração da companhia, causou uma forte tensão na relação com Jean-Charles Naouri, presidente global da empresa francesa. O caso ficou para trás. Mas no ano que vem, pelo acordo feito, o Casino se tornará em junho o acionista majoritário do GPA e, portanto, controlador da empresa. Hoje, a varejista francesa tem uma participação de 48,1%, adquirida em outubro deste ano com a compra de ações minoritárias (sem direito a voto). Um mês antes, havia elevado sua fatia no negócio de 43,1% para 45,9%. Os possíveis rumos que o Grupo poderá tomar a partir da entrada dos novos controladores têm tirado o sono de muita gente ligada à empresa.
"Uma característica forte do Grupo, que precisa ser mantida, é a orientação à inovação. Ela está no DNA da empresa", acredita Silvio Laban, professor do Insper. A inovação, nesse caso, não é apenas criar algo inédito, mas aperfeiçoar o que já é feito, interna ou externamente. "É um fato concreto, por exemplo, que hoje os hipermercados Extra têm uma operação igual ou melhor do que a do Carrefour, que foi pioneiro do formato no País", exemplifica. Essa dúvida se justifica pela diferença de estilos entre Diniz e Naouri. Ainda a figura mais marcante no GPA, o empresário brasileiro é conhecido pela sua grande competitividade, característica transmitida à empresa. "Mesmo essa situação com o Casino não afetou a liderança dele na companhia. Abilio comandou a empresa em épocas boas e ruins, conseguindo reverter os resultados negativos", afirma Jacob Jacques Gelman, coordenador do Centro de Excelência de Varejo da FGV-SP. Já o presidente do Casino, afirma uma fonte que trabalhou próxima à rede francesa, é um executivo voltado a estatísticas e não gosta de se expor a riscos. "Ele se baseia apenas em dados para tomar decisões", diz a fonte. Essas duas formas de liderar vêm levando os analistas de mercado a questionar se o GPA manterá a agilidade na tomada de decisões. Hoje, essa agilidade é uma vantagem competitiva em relação aos dois outros grandes grupos, cujas decisões são condicionadas à aprovação das matrizes. Para Laban, do Insper, quando o Casino indicar o presidente do conselho os rumos começarão a ficar mais claros.
Até lá, a rede deverá manter seus planos de abertura de lojas. Neste ano, os investimentos ficaram abaixo do previsto. Inicialmente, a ideia era aplicar R$ 1,41 bilhão em conversões, reformas e inaugurações, mas os gastos deverão fechar o ano em torno de R$ 1,2 bilhão. A partir de 2012, a expectativa é focar as lojas de atacarejo e proximidade. Só para a bandeira Assaí, o objetivo é abrir 60 unidades entre o ano que vem e 2014. A marca ainda é a que mais cresce entre as operações de varejo alimentar da companhia. De janeiro a setembro deste ano, a alta foi de 37%, em comparação a igual período de 2010.
Grupo aperfeiçoa loja de vizinhança
O GPA também pretende abrir 300 unidades do Minimercado Extra, bandeira que começa a substituir o Extra Fácil. São lojas pequenas inseridas nos bairros para compra de reposição. O novo modelo tem, em média, 300 m2 de área de vendas – cerca de 100 m2 a mais do que as lojas atuais – e o dobro de funcionários. O número de checkouts cresceu, assim como o sortimento de perecíveis.
Todas as mudanças foram baseadas em pesquisas com consumidores. As conversões atingirão as 66 filiais existentes hoje, sendo que até o fim deste ano terão sido transformadas 19 unidades. Nas cinco lojas-piloto, onde o projeto foi implantado, as vendas já cresceram 40%. O Grupo Pão de Açúcar tem tradição em reinventar fórmulas para aumentar resultados.
Equanto junho de 2012 não chega, o GPA toca seus projetos normalmente. Até porque, acreditam os especialistas, a empresa já é profissionalizada o suficiente para não se deixar abater por questões entre sócios. Só o tempo dirá.
O que a rede deve enfrentar em 2012
Mudança no controle acionário, uma vez
que a francesa Casino poderá se tornar acionista
majoritária em junho de 2012 Estilos diferentes de gestão entre Pão de
Açúcar e Casino Implementação do novo formato Minimercado Extra, que substitui Extra Fácil
Walmart: confiança na estratégia
Política de preço baixo todo dia enfrenta dificuldades, mas empresa continua acreditando na sua viabilidade
Existe um consenso no mercado de que os dois principais desafios do atual presidente do Walmart, Marcos Samaha, são fazer a estratégia de Preço Baixo Todo Dia (PBTD) dar certo no País e concluir a integração das lojas adquiridas do Bompreço e do Sonae. Pelo andar do mercado, os dois objetivos ainda têm muito o que evoluir no ano que vem, exigindo grandes esforços da empresa.
Os especialistas em varejo acreditam que a consolidação do PBTD tem sido mais lenta do que o esperado. A explicação diz respeito ao comportamento do brasileiro de correr atrás das promoções. Não é por acaso que a empresa está investindo forte em campanhas publicitárias para tornar a sua forma de vender mais conhecida do público. "No México, onde o conceito foi implantado com sucesso, demorou de dois a três anos para se consolidar", conta Silvio Laban, professor do Insper. "Levará tempo para o brasileiro entender essa política de preços, porque ele ainda carrega hábitos criados pelo longo período de inflação alta, quando corria atrás de ofertas. Não se pode, contudo, perder de vista que, em breve, um novo consumidor de supermercado ganhará corpo. São os jovens que hoje têm de 18 a 24 anos, para quem a hiperinflação nunca existiu", acrescenta. Esse público tenderá a valorizar estratégias como a adotada pelo Walmart, que se propõe a ter sempre o menor preço no total da compra.
Outro fator que tem sido apontado como entrave é a escala. O Walmart não tem aqui o mesmo tamanho que nos Estados Unidos, onde é referência de preço para o consumidor. Além disso, as outras gigantes que atuam no Brasil ainda são maiores. O faturamento do Carrefour, por exemplo, foi 32% superior ao do Walmart no ano passado. As concorrentes têm poder para bancar com agressividade suas estratégias de promoção. A rede norte-americana, porém, não acredita que precisa de mais massa crítica para fazer o PBTD funcionar. Segundo a empresa, sua escala é grande, com 500 unidades em 18 Estados e um milhão de clientes/dia frequentando suas lojas.
Para Jacob Jacques Gelman, coordenador do Centro de Excelência de Varejo da FGV-SP, o PBTD deve se consolidar mais rápido no Nordeste e no Sul do País, mercados dominados pela cadeia americana. "Nessas regiões, a varejista consegue ser referência em preço porque o número de lojas é muito expressivo", diz ele. De acordo com o Walmart, ao longo deste ano, o brasileiro começou a entender o conceito e a constatar o quanto pode economizar em suas lojas. A companhia cita levantamento do Datafolha, que pesquisou os preços dos 300 itens mais vendidos no varejo em 165 hipermercados de 17 capitais. O levantamento constatou que em 85% dos casos as bandeiras do Walmart tinham o menor preço. "O resultado da pesquisa comprova a eficácia da política PBTD e mostra que nossas lojas são realmente mais baratas", afirmou Renato Raduan, diretor de marketing da empresa, na ocasião da divulgação dos resultados.
Quanto à demora para concluir a integração de Bompreço e Sonae, Laban, do Insper, atribui o problema a um excesso de prudência, que, segundo ele, se justifica pela experiência vivida na Alemanha. A rede entrou naquele país na década de 1990, fez várias aquisições e utilizou o que o especialista chama de "integração entra e arrasa". Em outras palavras, questões culturais e práticas locais ficaram em segundo plano na hora de impor seus processos. "O resultado é que o Walmart saiu da Alemanha e não quer cometer o mesmo erro no Brasil", afirma o professor.
Segundo os especialistas, é bom lembrar ainda que tanto Bompreço quanto Sonae, antes de passar ao comando da rede norte-americana, já vinham de aquisições anteriores, cuja integração também não havia sido concluída. Ao entrar nessas companhias, o Walmart encontrou, por exemplo, uma enorme diversidade de culturas ainda não digeridas pelos antigos controladores.
A tarefa de integrar as empresas compradas justifica o fato de a rede estar priorizando o crescimento orgânico, embora não descarte boas oportunidades de aquisição. A empresa afirma que até o fim do ano vai concluir a abertura das 80 unidades programadas para 2011. No início de novembro, tinham sido abertas um pouco menos da metade. Para o ano que vem, a varejista não divulga o número de inaugurações pretendidas, mas as lojas dirigidas aos públicos C, D e E continuam sendo prioridade no Brasil.
s consultores acreditam que os investimentos da rede em estratégias para avançar no mercado brasileiro continuam em 2012, pois aqui existe uma oportunidade concreta de crescer, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos e na Europa. "O Walmart ainda está em fase de conquista no Brasil", diz Gelman, da FGV. E isso significa que a companhia apenas começou a incomodar.
O que a rede deve fazer em 2012
Consolidar a política de Preço Baixo Todo Dia para fortalecer os resultados no País. Além do hábito do brasileiro de valorizar ofertas, a rede enfrenta o fato de suas maiores concorrentes terem escala para manter forte a estratégia de promoções.
Concluir o processo de integração do Bompreço e do Sonae, ainda em andamento