Na churrasqueira da lei
29/03/2011

Na churrasqueira da lei

Inúmeros produtos precisam de certificação ambiental para ser comercializados. Um deles é o carvão, que se não for certificado pode “queimar o filme” da sua empresa

Por Wagner Hilário

Você sabia que o carvão vendido em sua loja e queimado na churrasqueira do seu cliente precisa de certificação? Não? Nem o gerente de um supermercado no interior de Minas Gerais, que viu seu filme e o da loja que gerenciava queimados na churrasqueira da lei quando um cliente ecologicamente engajado resolveu denunciar o estabelecimento pela venda de carvão sem o Certificado de Registro e o Documento de Origem Florestal (DOF), concedidos pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e de Recursos Naturais (Ibama).
Carvão é madeira, como todo mundo sabe, e madeira cortada com fins comerciais precisa de certificação ambiental; deve ser extraída de áreas de manejo florestal sustentável. Não pode vir da exploração predatória. O sujeito quer ter carvoaria? Então, trate de produzir seu carvão a partir de madeiras extraídas de áreas devidamente delimitadas, exploradas de forma racional, de modo que, de onde se tira uma árvore agora, se planta outra em seguida.
O supermercadista que lê este texto pode estar se perguntando:
— Tá escrevendo pra mim ou pro carvoeiro? O que minha loja tem a ver com isso?
Caro leitor, a ecologia mostra que as relações entre os seres e o meio ambiente são orgânicas, não mecânicas. Tudo está interligado e qualquer mexida aqui interfere ali. Assim, se sua loja vende carvão oriundo de madeira não certificada, ela está estimulando o desmatamento predatório das florestas e a destruição do planeta. Em outras palavras, está cometendo crime ambiental.
Então, retomando a pergunta “o que minha loja tem a ver com isso?”. Ela é obrigada por lei a vender carvões produzidos a partir de madeiras sustentavelmente extraídas.
Mais, o Ibama precisa saber e ter no seu banco de dados a carvoaria devidamente cadastrada, com documentos em ordem e taxas relativas devidamente pagas. Se o carvão exposto na gôndola de sua loja não vier de carvoaria inserida no Cadastro Técnico Federal — CTF, com Certificado de Registro e DOF, tire-o de circulação ou essa brasa vai queimar na sua mão.
O referido gerente, por exemplo, não os retirou, até porque não sabia das exigências legais. E a ignorância, amigos, é um fardo pesadíssimo, embora imperceptível, que carregamos até descobrirmos que o carregamos.
Ao ver os policiais entrarem na loja, o gerente deduziu que fossem comprar um carvãozinho para, no momento de folga, assar uma carne em família. Mas não demorou a descobrir que o motivo da visita era bem menos recreativo. Ficou assustado quando se viu às voltas com a lei e com a algema em volta do braço. Sendo ou não responsável pela compra do carvão não certificado, tinha culpa, e não dolo, em deixá-lo à venda na loja. O cliente ou a cliente não o perdoou.
Lembro-me de há mais ou menos três anos ter ouvido duma fonte o seguinte:
— Logo, logo o consumidor brasileiro vai começar a entender melhor essas questões ambientais e isso será essencial para as vendas. A empresa que tiver compromisso com a sustentabilidade, efetivamente, continuará no jogo; quem não tiver, se não incorporar, vai dançar.
Pois é, logo, logo é hoje. Resultado: denúncia, fiscalização, comprovação da infração, multa para a empresa e cadeia para o gerente. Felizmente o desavisado teve a fiança paga e foi solto. Mas, infelizmente, ainda responde, em liberdade, por crime ambiental.
Outro desavisado pode pensar: “Houve perda, mas não foi tão grande assim”. Ledo engano. Basta lembrar que todo o carvão exposto na loja e à disposição no estoque é apreendido e, naturalmente, as autoridades levam, mas não pagam. Para não perder a metáfora, carvão apreendido é lucro queimado em perdas; alquimia às avessas.
Mas não é apenas a matéria palpável que vira fumaça nesta história. A imagem institucional da empresa pode ser abalada, resultando em queda de vendas — mais e mais perdas. Consumidores engajados da própria região e de outras em que a rede tenha estabelecimentos podem se tornar antipáticos à bandeira se descobrirem a história. Em outras palavras, o cliente pode deixar de fazer compras nas lojas da companhia, passando a fazê-las na concorrência. É complicado mensurar em cifras o prejuízo que episódios de tal natureza podem trazer. As perdas podem ir muito além do que se imagina.
No caso de empresa supermercadista de loja única, esse drama é maior. A corporação geralmente não dispõe de força institucional para absorver as críticas e acusações minimizando os impactos sobre o estabelecimento onde o delito aconteceu. Na verdade, a loja é a instituição e a reação negativa do consumidor será sentida por ela de forma bem mais incisiva.
Ciente dos fatos, colega supermercadista, livre-se do fardo da falta de informação e colha as benesses do conhecimento. Previna-se das perdas e garanta lucratividade.