Não existe mágica, só trabalho
04/11/2014

Não existe mágica, só trabalho

Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central, fala sobre os desafios e entraves do varejo no atual cenário político e econômico
Gustavo Loyola foi um dos nomes fortes do Plano Real. Presidente do Banco Central entre novembro de 1992 e março de 1993, e depois entre junho de 1995 e agosto de 1997, foi um dos responsáveis pela reestruturação do sistema bancário do País.
Eleito Economista do Ano de 2014 pela Ordem dos Economistas do Brasil, Loyola tem uma visão liberal do papel do Estado na economia: entende que o papel do governo é oferecer as condições de negócio e abrir espaço para que a iniciativa privada inove, se desenvolva e gere empregos.


Nesta semana, durante a Convenção ABF na Ilha de Comandatuba, na Bahia, Loyola falou a uma plateia de cerca de 500 pessoas sobre o cenário econômico brasileiro e mundial e conversou com a imprensa sobre as perspectivas para o País, especialmente sobre o futuro do varejo.NOVAREJO estava presente e conversou com o economista. A seguir, alguns trechos:
Considerando o cenário projetado para 2014 e 2015 (crescimento de 0,1% e abaixo de 1%, respectivamente), podemos esperar tempos bicudos para o varejo?
Não necessariamente. Evidentemente é melhor navegar num mar calmo que em um mar adverso, mas justamente o que dá oportunidade de diferenciação para as empresas são os tempos difíceis, já que em um cenário favorável até o mais medíocre dos empresários pode se dar bem. Em 2015 os empresários precisarão ser muito mais eficientes, seja no que diz respeito aos produtos, aos clientes ou aos custos.
É importante também ter em mente que não estamos mais em um ambiente de recessão, embora o crescimento seja mínimo. O mercado ainda é positivo, crescerá pouco nos próximos anos, mas apresenta muitas oportunidades. O que não podemos é manter a ilusão de que é iremos crescer como no período entre 2003 e 2010. Os tempos são outros.
Como você apontou em sua apresentação, 2015 deverá ter novamente um panorama de aumento de custos e desafios com infraestrutura. O varejo pode contar com alguma evolução na questão tributária que aumente sua competitividade?
Podemos ter alguma evolução sim, mas não sou muito otimista, por algumas razões. A primeira é mais estrutural: precisamos de mais avanço no ICMS, que é um grande problema, pois precisa ser destravado com 27 Estados, é muito complicado. Há também a questão dos incentivos fiscais nos Estados: é preciso ter uma gestão política muito competente para que se consiga um consenso mínimo.
Só isso já me deixa mais cauteloso: teremos em 2015 um congresso mais fragmentado e uma bancada de situação mais enfraquecida, e a presidente mostrou durante 4 anos que não é muito afeita ao jogo político. Isso diminui ainda mais a chance de termos uma grande reforma tributária. Ainda assim, o governo pode, por meio da legislação, dar uma melhorada na situação. Nos últimos anos, o governo baseou sua política em criar regimes especiais e linhas de crédito com o BNDES, sem preocupações maiores com o impacto no sistema como um todo.
E o Simples?
Ajuda, mas não resolve, porque continua com o problema de que em algum momento a empresa nao irá querer continuar a crescer, pois terá que mudar de ambiente tributário, sair do Simples. Acredito que o ambiente favorável a todas as empresas é aquele que permite que as pequenas nasçam e cresçam. mas hoje temos setores com folha desonerada, tributadas por valor agregado, e outros com outras regras, sem que esteja claro qual é o critério para cada caso. É uma situação complexa demais para o desenvolvimento dos negócios.
O senhor enxerga mudança de cenário no médio e longo prazo?
A mudança desse cenário tem muito a ver com a capacidade da sociedade influenciar politicamente. Vimos na ultima campanha eleitoral que alguns temas foram tratados de forma muito superficial, como a questão tributária, que é um tema importante em qualquer lugar do mundo. O ambiente para empreender é muito inóspito e se os atores políticos relevantes não se manifestarem, é difícil acontecer alguma coisa. A reforma tributária virá no dia em que ficar claro na cabeça dos políticos em que a situação é insustentável.
Fico com receio de que para melhorar tem que piorar, tem que se chegar a uma situação muito ruim. E há no Brasil um grande incentivo no setor privado a buscar um tratamento favorável do governo apenas para o seu caso, contribuindo com sua melhoria e não a melhoria global. Isso porque um setor vê que outro conseguiu alguma coisa com o governo e então tenta também.
Somos o país da meia entrada, em que todo mundo quer pagar meia, mas esse custo vai para alguém. Se não houvesse meia entrada o ingresso poderia ser mais barato para todo mundo. Se o governo dá benefício para alguém, acaba tirando de outro. Não existe mágica em economia.