O desafio de recuperar a essência do fundador
17/02/2017

O desafio de recuperar a essência do fundador

Na medida em que a organização se torna maior, mais lenta e burocrática, ela deixa de valorizar funções operacionais essenciais, diz o consultor inglês James Allen

 

Toda empresa começa inovadora e com clareza de qual é a sua função para clientes e consumidores mas, com o tempo, essa visão pode se perder - e é a capacidade de evitar isso que separa as companhias de sucesso do resto, na opinião de James Allen, sócio da consultoria Bain & Company e líder da prática global de estratégia. 

 

Na medida em que a organização se torna maior e mais lenta e burocrática, ela deixa de valorizar funções operacionais essenciais, que acabam se tornando posições de onde os profissionais precisam "fugir" rumo aos supervalorizados cargos de liderança. "A empresa não existe para ajudar os gestores a serem promovidos. O papel da companhia é fortalecer a linha de frente para servir melhor os clientes", diz.

Allen é coautor, junto com Chris Zook, do livro "A Mentalidade do Fundador", lançado no Brasil no ano passado pela editora Novo Século, que descreve o "paradoxo do crescimento" das companhias que perdem a essência na medida em que se tornam maiores. O livro tem como base estudos de casos e pesquisas com empresas e executivos de diversos países, entre eles o Brasil, para onde Allen viaja com frequência desde 2013 para visitar clientes da Bain & Company e coletar informações para a obra. Em sua visita mais recente, neste mês, ele conversou com o Valor por telefone.

A "mentalidade do fundador" descrita por Allen não é algo que só existe quando a empresa é comandada por um fundador - na verdade, em muitos casos o melhor caminho é substituí-lo ou passá-lo para outras funções, como o conselho de administração - mas é uma combinação de três fatores comuns a companhias de sucesso nos primeiros anos de vida. "Toda empresa de sucesso começa em guerra com o seu setor em nome de consumidores mal servidos, e todos que trabalham nela sabem porque ela existe e entendem que eles precisam focar sua atenção em determinadas atividades", explica.

Mentalidade do fundador 1

Essa clareza de propósito é o primeiro fator da mentalidade do fundador desenvolvida por Allen e Zook, algo que ele chama de senso de "missão insurgente". Na medida em que as empresas crescem, diz Allen, ele é substituído por ambições como ganhar mercado e bater metas financeiras - que, embora sejam importantes para gestores, não são "a razão de a empresa existir". "Assim, as companhias perdem essa missão insurgente e se tornam defensoras dos lucros do setor", diz.

Mentalidade do fundador 2

O segundo aspecto da mentalidade do fundador é uma obsessão com a linha de frente e com a relação com os clientes e consumidores. "Falamos para CEOs que o trabalho deles é sair da sede administrativa e voltar ao campo para se conectar diretamente com as pessoas que estão executando o trabalho da empresa, e para traduzir a estratégia e as discussões da organização de forma que elas façam sentido na rotina deles", diz. Uma forma de colocar isso em prática é transformar uma estratégia mais ampla em "mini batalhas", desafios pontuais para resolver determinados problemas, que se tornam "pequenas experiências de fundadores". "Isso dá às pessoas a sensação de trabalhar como um fundador", diz.

Mentalidade do fundador 3

Pensar como o dono da empresa, seja na hora de considerar custos ou de entender as prioridades da companhia no momento, é o terceiro elemento da mentalidade do fundador descrita pelo consultor. "É diferente de ser um burocrata que trabalha apenas em prol da sua própria área", diz.

Segundo a pesquisa de Allen, embora todas as empresas de sucesso tenham os três aspectos, algumas valorizam mais um do que outro. A fabricante de brinquedos Lego, por exemplo, valoriza a missão de criar brinquedos criativos, enquanto a rede de varejo brasileira Magazine Luiza é um dos melhores exemplos do País de obsessão pelo cliente, na visão de Allen. Já a Ambev, famosa pela cultura competitiva, seria o grande símbolo de companhia que dissemina a postura de dono entre os funcionários.

"Quando a empresa ganha a vantagem do crescimento, que é real e importante, ela perde a cultura original. Ela se torna boa em exercer seu tamanho mas perde a missão de insurgência, a obsessão com a linha de frente e a mentalidade de dono. E não dá para operar para sempre sem recuperá-las", diz. Um dos primeiros passos é ter consciência desse paradoxo e das forças que trabalham contra a empresa na medida em que ela aumenta de tamanho.

Fonte: Valor Econômico