UMA ENXURRADA DE PRODUTOS
17/05/2011

UMA ENXURRADA DE PRODUTOS

No ano passado, a indústria de bens de consumo lançou 15.800 produtos. O problema é encontrar espaço para todos nas prateleiras
Com 300 marcas em mais de 160 países, a fabricante de bens de consumo P&G ficou tão grande que acabou tornando-se uma espécie de termômetro para medir o grau de desenvolvimento dos mercados em que atua. Seus produtos - que vão de fraldas a detergentes - estão espalhados pelo mundo de forma desigual: quanto maior o poder de compra local, maior a variedade e a sofisticação dos itens.

Produtos básicos perdem espaço nas prateleiras

Segundo essa regra, pode-se dizer que o mercado brasileiro alcançou um novo patamar na "escala P&G" no ano passado. A multinacional tem apenas um décimo do total de suas marcas no País mas, em 2010, fez quatro lançamentos. Foi um movimento extraordinário: a última vez que companhia trouxe uma marca nova para cá - e uma só - aconteceu no fim da década de 90. Uma das novatas por aqui, a linha de produtos para a pele Olay já existe há mais de cinquenta anos nos Estados Unidos. "Há mais dinheiro na mão do consumidor e estamos trazendo o que temos de mais avançado em tecnologia", diz Gabriela Onofre, diretora de assuntos corporativos da P&G. "O Brasil é um mar de oportunidades."

Não foi só a P&G que se apressou para aproveitar ao máximo o momento. Segundo uma pesquisa da consultoria Nielsen, foram lançados, ano passado, mais de 15.800 itens voltados para a venda em supermercados e lojas de conveniência (incluindo novos produtos e seus variantes, como novos tamanhos ou sabores). Trata-se de um número 60% maior na comparação com quatro anos antes. Ao mesmo tempo, a quantidade de produtos que saiu de linha em 2010 também foi grande: 12.100, deixando um saldo de 3.700 itens extras nas gôndolas. "A roda dos lançamentos passou a girar mais rápido", diz Claudio Czarnobai, analista de mercado da Nielsen.

O exemplo definitivo desse fenômeno vem da Hypermarcas. Em 2010, a empresa apresentou uma média de quase um novo produto por dia nas categorias de higiene, limpeza e alimentos. Assim como se tornou uma máquina de aquisições (foram 20 nos últimos dois anos), a empresa criou um modelo para fazer lançamentos em série. Logo que compra um concorrente, sua equipe de marketing começa a estudar estratégias para rejuvenescer a marca - um processo que leva de um a três anos - e estendê-la para outras categorias. Quando a fabricante DM Farmacêutica foi adquirida, há quatro anos, a linha Monange tinha 46 itens. Hoje são 70.

Um novo mercado. "A sociedade de consumo no Brasil está ficando mais sofisticada, e não apenas por causa do aumento do poder aquisitivo da classe média", diz Reinaldo Gregori, demógrafo e sócio da Cognatis Inteligência Aplicada. "Há o aspecto demográfico. O Brasil não é mais só aquele da família tradicional que come arroz e feijão. Agora há diversos segmentos: casais sem filhos, com filhos, os solteiros, os solteirões de meia idade, os idosos. Essa mudança também cria uma estrutura de consumo bem mais complexa."

Além da demanda dos consumidores, há outro motivo por trás da aceleração no ritmo de lançamentos: a expectativa - tanto de fabricantes como varejistas - de aumentar as margens de lucro. Metade dos produtos lançados no ano passado apresentou preços, pelo menos, 10% superiores à média da categoria. Sem a contribuição dos lançamentos, a receita dos supermercados pesquisados pela Nielsen teria ficado estagnada em 2010. Com a ajuda dos novos produtos, o crescimento foi de 4,9%.

Mas não basta lançar um produto. É preciso arranjar lugar na prateleira, o que é cada vez mais difícil. Ao mesmo tempo em que os consumidores querem novidades, não estão dispostos a percorrer longos corredores atrás delas. Entre todos os formatos, os supermercados de bairro, com até 3 mil metros quadrados, são os que apresentam o maior crescimento de vendas.

O Walmart, por exemplo, realiza duas reuniões por ano em que escolhe centenas de produtos de menor giro ou rentabilidade a serem retirados de suas gôndolas. "O metro quadrado custa caro, seja na hora de comprar um apartamento, seja na hora de abastecer a loja", diz José Vasquez, vice-presidente comercial do varejista. Há duas regras gerais que guiam a escolha do que fica e o que sai. Primeira: produtos básicos dão lugar aos mais sofisticados. Assim, a farinha é substituída pela mistura para bolo e o sabonete em barra pelo antibacteriano. Segunda: as prateleiras devem ter a marca líder, uma intermediária, uma de preço baixo e uma marca própria. Raramente haverá espaço para outras.

O esforço dos fabricantes é exatamente se encaixar em uma dessas categorias. Aqueles que já têm presença no grande varejo costumam remanejar seu próprio portfólio de modo a retirar alguns produtos e abrir lugar para os novos. Mas, obviamente, há sempre a briga para tirar espaço do concorrente. A fabricante peruana de bebidas Aje desembarcou no Brasil no início do ano. Sua intenção é ser a terceira marca de refrigerantes no Brasil, atrás da Coca-Cola e da Pepsi. Para convencer os supermercados a dar uma chance ao seu Big Cola, deverá gastar US$ 5 milhões em verbas promocionais (usadasparapagarpropagadas do varejo) até o início de 2012.

A peruana também passou a oferecer a maior margem da categoria para os lojistas. "Hoje, o varejo ganha mais, porcentualmente, vendendo uma unidade de Big Cola que uma Coca-Cola", diz Claudio Fontes, responsável pela Aje no Brasil. Mas o alcance dessa estratégia é limitado, já que os varejistas vendem muito mais Coca-Cola que Big Cola. Até agora, a fabricante tem acordos para entrar em lojas de redes com o Sam"s Club (do Walmart) e o Dia% (do Carrefour). Em boa parte dos casos, a Big Cola entrou no lugar de tubaínas.

Euforia. Nem todos, porém, se incluem no clima de frenesi. "Mais de 15 mil novos produtos no ano passado? O consumidor não quer tudo isso tudo", diz Kees Kruythoff, presidente da Unilever Brasil, que faturou quase R$ 12 bilhões em 2010. Recentemente, a gigante anglo-holandesa decidiu reduzir seu ritmo de inovações e concentrar esforços na criação de novidades consideradas de "maior impacto". Em 2010, foram 60 inovações - 40 a menos que em 2008. O portfólio do suco de soja Ades, por exemplo, passou de 99 para 67 variedades. "Mesmo com a redução, tivemos, em 2010, nosso maior crescimento em volume dos últimos dez anos", diz Kruythoff.

O caso da Unilever serve para lembrar o que, no meio da euforia, pode acabar sendo desprezado. O lançamento em si é apenas a primeira parte do processo. Para dar certo mesmo, a novidade tem que agradar: apenas 5% de todos os itens lançados no ano passado atingiram a marca de 0,2% de participação de mercado. Obviamente, a maioria precisará de mais tempo para se provar. Mas em quantos casos valerá a pena esperar?


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Veículo: O Estado de S.Paulo